Sabe o que pode ser descontado do seu salário?

O salário do trabalhador possui proteção judicial, expressa no ordenamento jurídico brasileiro, sendo regido, primordialmente, pela Constituição Federal de 1988 e pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Essa proteção normativa tem por objetivo assegurar que o trabalhador receba, de forma integral e justa, a contraprestação pelos serviços prestados, garantindo assim sua dignidade humana, a manutenção de sua subsistência e de sua família.

Portanto, o salário possui natureza elementar, o que significa que é essencial para a sobrevivência do empregado e de seus dependentes. Dessa forma, qualquer tipo de desconto ou retenção indevida pode gerar sérios prejuízos ao empregado. Com isso em vista, a legislação trabalhista prevê regras específicas e restritas quanto aos descontos salariais permitidos e vedações expressas a práticas abusivas por parte do empregador.


1. Regras gerais de desconto – Artigo 462 da CLT

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é o principal dispositivo legal que regula a matéria dos descontos salariais. Conforme dispõe o artigo 462 da CLT:

“Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo.”

Com base neste dispositivo, a regra geral é a proibição de descontos unilaterais por parte do empregador. Apenas em situações legalmente previstas, ou mediante autorização expressa do trabalhador, é que se admite a retenção de valores sobre a remuneração. Essa norma visa assegurar a previsibilidade e a estabilidade financeira do trabalhador.

Além disso, a jurisprudência trabalhista é pacífica ao reconhecer que qualquer desconto indevido pode caracterizar dano moral, tendo em vista o comprometimento da subsistência do trabalhador e a violação da boa-fé objetiva na relação contratual.


2. Descontos obrigatórios (de natureza legal)

Os descontos obrigatórios são aqueles previstos por lei e cuja incidência é automática, independentemente de autorização específica do empregado. Eles têm natureza legal e tributária, e são realizados diretamente na folha de pagamento. Os principais são:

a) Contribuição Previdenciária (INSS)
Trata-se de um desconto compulsório destinado ao financiamento do sistema previdenciário brasileiro. Conforme dispõe a legislação vigente, as alíquotas do INSS são progressivas, de acordo com a faixa salarial do trabalhador, podendo variar entre 7,5% e 14%. O empregador é responsável por efetuar o desconto e realizar o devido recolhimento junto à Receita Federal.

b) Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF)
Outro desconto obrigatório é o IRRF, incidente sobre os rendimentos tributáveis recebidos pelo trabalhador. A alíquota aplicável depende da tabela progressiva mensal estabelecida pela Receita Federal, levando em conta o valor bruto do salário e eventuais deduções legais. O valor retido é posteriormente compensado na declaração anual do imposto de renda.

c) Pensão alimentícia
Nos casos em que há decisão judicial que determine o pagamento de pensão alimentícia, esta pode ser descontada diretamente da folha de pagamento do trabalhador. O valor, estipulado pelo juiz, é depositado diretamente na conta da pessoa beneficiária (filho, ex-cônjuge etc.) e é prioritário em relação a outros descontos.


3. Descontos facultativos (autorizados pelo trabalhador)

Os descontos facultativos são aqueles que dependem da anuência prévia, expressa e por escrito do trabalhador, ou então que constam de acordo ou convenção coletiva de trabalho devidamente homologados. São exemplos comuns:

a) Vale-transporte
Nos termos da Lei nº 7.418/85, o vale-transporte pode ser descontado do salário do trabalhador em até 6% do seu salário base. Caso o custo do deslocamento seja superior a esse limite, a diferença deve ser custeada pelo empregador. O benefício é de caráter obrigatório, desde que o empregado o solicite formalmente.

b) Plano de saúde
O desconto referente ao plano de saúde somente pode ocorrer se houver autorização expressa do trabalhador ou previsão em instrumento coletivo. Este benefício é amplamente utilizado pelas empresas como forma de incentivo e cuidado com a saúde do trabalhador, mas sua cobrança deve seguir os parâmetros legais.

c) Contribuição sindical e assistencial
Após a Reforma Trabalhista promovida pela Lei nº 13.467/2017, a contribuição sindical tornou-se facultativa. O Supremo Tribunal Federal, por meio das ADIs 5.794 e 5.809, declarou que qualquer desconto a esse título só poderá ser feito mediante autorização individual do trabalhador.

d) Mensalidades de associações, cooperativas, convênios ou seguros
Tais descontos também necessitam de autorização formal, podendo ser objeto de contestação judicial caso não respeitem os requisitos legais. A ausência de autorização pode ensejar a devolução em dobro do valor descontado, conforme o artigo 940 do Código Civil.


4. Desconto por danos causados pelo empregado

O §1º do artigo 462 da CLT permite ao empregador realizar descontos em caso de prejuízos causados pelo empregado, desde que estejam presentes dois requisitos fundamentais:

  1. Previsão contratual expressa, ou seja, deve constar no contrato de trabalho que, em caso de dano, o desconto será aplicado;
  2. Comprovação de dolo ou culpa do empregado, demonstrando que o prejuízo decorreu de sua conduta negligente ou intencional.

O simples erro ou acidente não autoriza, por si só, o desconto. Além disso, o empregador deve apresentar documentação que comprove o fato gerador do prejuízo e a sua relação com o empregado, sob pena de incorrer em desconto indevido, passível de indenização por dano moral.


5. Limite para descontos

Mesmo quando os descontos forem lícitos, existe um limite máximo que deve ser respeitado para que o salário líquido do trabalhador não seja comprometido integralmente. O entendimento predominante na doutrina e na jurisprudência é que o trabalhador deve receber, no mínimo, 70% de sua remuneração líquida, de forma a garantir o chamado mínimo existencial.

Esse entendimento decorre da aplicação dos princípios da dignidade da pessoa humana, da função social do contrato de trabalho e do princípio da proporcionalidade, assegurando que os descontos legais não comprometam a subsistência do empregado.


6. Descontos indevidos: o que o trabalhador pode fazer?

Caso o trabalhador perceba descontos que não reconhece ou não autorizou, deve adotar as seguintes providências:

a) Solicitar explicações formais ao empregador
É recomendável que o trabalhador solicite, por escrito, esclarecimentos e apresente os holerites que apontem os valores descontados. A empresa deve fornecer uma justificativa clara e transparente.

b) Procurar o sindicato da categoria
O sindicato pode intermediar o conflito entre o empregado e o empregador e, se necessário, levar o caso ao conhecimento da Justiça do Trabalho. Em algumas categorias, o sindicato presta assessoria jurídica gratuita.

c) Buscar orientação jurídica especializada
O trabalhador pode, com apoio de um advogado trabalhista, ingressar com reclamação trabalhista na Justiça do Trabalho. É possível pleitear a devolução dos valores descontados, em dobro, com fundamento no artigo 940 do Código Civil, além de indenização por dano moral, caso demonstrado o abuso ou a má-fé do empregador.


7. Conclusão

A respeito à legislação trabalhista em relação aos descontos salariais é essencial para a manutenção de uma relação de trabalho justa, equilibrada e ética. O salário é a principal fonte de sustento do trabalhador, e sua integridade deve ser preservada, evitando-se qualquer tipo de retenção arbitrária ou abusiva por parte do empregador.

Empregados devem estar atentos aos valores descontados mensalmente, manter cópias de seus holerites e contratos, e sempre buscar esclarecimentos em caso de dúvidas. Já os empregadores devem agir com transparência e cautela, observando as normas legais e evitando práticas que possam resultar em passivos trabalhistas.

Por fim, consultar um advogado trabalhista é sempre a melhor alternativa diante de irregularidades. A atuação preventiva e informada contribui para a defesa dos direitos do trabalhador e para a promoção de um ambiente de trabalho saudável, justo e conforme os preceitos da Constituição Federal.

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